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A pandemia em nossa mão

Ainda que nesse momento a crise do coronavírus pareça distante de ser solucionada, é inevitável já pensar no que vem pela frente: a próxima pandemia surgirá na Amazônia?

Quando foi lançada originalmente nos Estados Unidos, a coleção de artigos do biólogo evolucionista americano Rob Wallace ainda passava por termos como Sars (síndrome respiratória severa aguda), gripe aviária e gripe suína.

Eram o resultado de anos estudando os vírus a partir de uma crítica à forma como as atividades agropecuárias se expandiram e foram sendo normalizadas ao redor do mundo — por consequência, contribuindo com as pandemias.

Agora, cinco anos depois, a gente poderia aqui usar aquele clichê: mal sabia ele que estávamos à beira da grande crise do tipo em um século. Mas sabia. Estava tudo lá, naqueles primeiros estudos.

A edição brasileira de Pandemia e agronegócio, além de textos que vêm acumulando conhecimento desde 2007, chega agora com reflexões mais recentes do autor sobre o atual surto de covid-19, a doença provocada pelo novo coronavírus que paralisou o mundo neste 2020.

Não deixa de ser curioso que, depois de ser consultor da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e do Centro de Controle e Prevenção de Doenças Infecciosas (CDC) dos Estados Unidos, Rob Wallace tenha sido escanteado pela elite política e acadêmica devido às suas críticas sobre como governos e organismos internacionais atuam no combate aos novos vírus.

É como se a crise que estamos vivendo fosse a prova da negligência das autoridades no assunto.

A hipótese de Wallace é a seguinte: a pandemia é resultado da forma como criamos animais para consumo nos últimos quarenta anos. Aves e porcos, sobretudo, são confinados e compartilham raça, idade e sistema biológico de forma bem distante de suas condições naturais. Isso gera desequilíbrio, o que se torna um banquete para micro-organismos, um verdadeiro experimento permanente para mutações e contágios extremos.

Ou seja, esses vírus pandêmicos não são obras casuais da natureza, como se parecessem inevitáveis ou surpreendentes, mas sim resíduos produzidos nas operações do agronegócio, uma forma de resposta que os vírus oferecem sobre a produtividade.

Quando a gente olha para essas granjas de porcos, frangos ou mesmo de bovinos, estamos falando de uma agricultura industrializada, fábricas de animais que parecem linhas de montagem. Então, com o sistema imunológico rebaixado e esse vírus que atinge esses animais, o que acontece é que ele contamina o ambiente. Não é por acaso que nós usamos a expressão “com virulência” para definir algo que se espalha de maneira extremamente rápida.

“Rob Wallace mostra que, com o vírus se espalhando tão rápido, não há tempo de se ter respostas imunológicas. Então, temos esse descontrole, essa pandemia, que está relacionada com a velocidade com que esses vírus se adaptaram a alguns animais e sofreram uma mutação genética”, explica Larissa Mies Bombardi, geógrafa e professora da Universidade de São Paulo, em reportagem da Rede Brasil Atual sobre o tema.

“Nós, enquanto humanidade e país, estamos diante de uma bifurcação: o que é que nós queremos dessa produção de alimentos? O que é prioritário para nós: o lucro ou o alimento?”, conclui.

Nessa entrevista da BBC Brasil com José Graziano, chefe da FAO entre 2012 e 2019, a posição de Wallace também é mencionada:

“O biólogo americano Rob Wallace, que pesquisa esse tema, diz que a frequência e o poder destrutivo de epidemias recentes — como a peste suína africana, a Sars e a gripe aviária — se devem à progressiva redução da diversidade genética de rebanhos e ao avanço da produção agropecuária de grande escala sobre áreas de floresta, o que amplia a interface entre pragas selvagens e atividades humanas. O que o sr. acha?”, pergunta a BBC.

“Não sou especialista, mas partilho da preocupação sobre a redução da diversidade genética e sobre a destruição de áreas de floresta”, explica Graziano. “Não é o primeiro vírus que provém de áreas de floresta ou animais selvagens. O caso do ebola e do zika são exemplo recentes disso.”

Estava tudo lá.

São anos em que a conversa parte do princípio de que um novo surto poderia acontecer a qualquer momento, inclusive como reforça esse texto do Outras Palavras. Primeiro Lee Jong-wook, então diretor da Organização Mundial da Saúde, em 2004. “Sabemos que outra pandemia será inevitável. Está chegando. E também sabemos que, quando isso acontecer, não teremos medicamentos, vacinas, profissionais de saúde ou capacidade hospitalar suficientes.”

Depois, até Bill Gates, numa palestra em 2015. “Não devemos temer os mísseis, mas os vírus”, disse.

E ainda que nesse momento a crise do coronavírus pareça distante de ser solucionada, é inevitável já pensar no que vem pela frente: a próxima pandemia surgirá na Amazônia?, pergunta o título do texto publicado pelo Jornal da Unicamp.

Tempo de entender e propor mudanças. Do contrário, mais cedo ou mais tarde (parece cada vez mais cedo), estaremos dizendo que, sim, estava tudo lá. E continuamos não dando ouvidos.

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